sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Palavras fora de moda

 

 

Palavras na fila da aposentadoria

POR QUE palavras caem em desuso? Listarei umas ainda conhecidas, mas pouco úteis na linguagem corriqueira.
Bem poucos são os verbos que caem no esquecimento, e é mais lento o processo do seu desaparecimento. Com advérbios acontece o mesmo.
Já os substantivos aumentam na medida da criação de novas "coisas": materiais, máquinas e formas de energia, para não falar das tecnologias. Os adjetivos também se transformam e somem.
O que mais me chama atenção são as palavras relativas a comportamentos, sentimentos, reações emocionais, que, assim como aparecem, desaparecem. A primeira que me ocorre tem a ver com aparência, moda, tecido, modelo: caimento.
Para haver um bom caimento, é preciso que o modelo seja adaptado ao tecido, o corte seja bem feito, a costura, caprichada, e tudo o mais que vai com a elegância.
"Caimento" some porque a produção industrial impede, em parte, que se leve em conta delicadezas como essa. Uma das soluções que se achou foi a moda da roupa justa, quase uma segunda pele. E pele, de preferência, não tem caimento.
Daria para fazer um romance só sobre essa palavra.
Mas basta dizer que o mundo mudou e não tem mais lugar para a ideia de "caimento". A elegância enveredou por outros caminhos.
E quem conhece criança "insolente" ou "petulante"?
Existem, só que nem merecem mais adjetivação. Fica por conta de serem crianças, portanto, sem bons modos.
"Recato", "compostura", "pudor" falam sobre adequação. E a "indolência", onde foi parar? Indolente, hoje, a gente chama de apático.
"Astúcia" sumiu, sobrou a esperteza. "Afoiteza" tomou ares de agilidade. O que se usa mais, afinal: "arrogância" ou "empáfia"? Acho que a "empáfia" está morrendo.
Antes, há não mais de dez anos, o arrogante, o metido era "convencido". Charme e "lascívia" se misturavam ao que hoje é chamado de sedução. E o equilíbrio substituiu a "temperança".
A cada vocábulo que morre e outro que nasce corresponde um jeito diferente de viver e avaliar o outro.
Cada um de nós é capaz de aumentar essa lista. O importante é não deixar passar essas mudanças sem perceber o que ocorre. Acho que em 50 anos algumas dessas palavras serão totalmente desconhecidas, mas não estarei aqui para confirmar.
Gosto de acompanhar essas mudanças, sem fazer muita teoria, só um pouquinho. Mas sem deixar passar que o dicionário do nosso cotidiano se movimenta.


ANNA VERONICA MAUTNER , psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)

Folha – Equilíbrio – 22/02/2011

2 comentários:

Anônimo disse...

Delma
Interessante!Como a nossa cultura vai despencando!Hoje,nosso vocabulário dá lugar a palavras vulgares,medíocres.Jovens e crianças desconhecem palavras como merenda,retrato,automóvel.Vão ficar na nossa memória e serem aposentadas.
Bjs
Regina Bernardes

Delma disse...

Minha mãe dizia umas palavras que o Eurípedes ficava "zoando" com ela. Boléia de caminhão era uma delas.Uma vez eu queria comprar um Cd numa outra cidade, daí perguntei pra uma vendedora de loja onde tinha uma Discoteca. Ela ficou me olhando e disse: lugar onde as pessoas dançam? rssrsrs

Bjs