Alexandre Henry é colunista do Jornal Correio de Uberlândia e na véspera de completar 35 anos escreveu sobre o que aprendeu até agora. Veja abaixo:
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Shakespeare escreveu que aos loucos tudo é perdoado.
Pois aos jovens tudo é possível. O maior patrimônio da juventude é o futuro, com suas portas abertas.
- Descobri alguns segredos tão evidentes que só a empolgação da juventude é capaz de ocultá-los. Por exemplo, que viver uma paixão é mais fácil do que cultivar um amor.
-O bom senso é a mais pacificadora das virtudes e a paciência não é para qualquer um, só para quem vai chegar muito longe.
-Quem me ama também pode me machucar muito. Mais do que isso: posso achar que sou uma pessoa boa, mas algum dia também vou machucar o coração que me quer. Vou chorar e arrancar lágrimas. Vou achar que não vale mais a pena viver, até descobrir que ainda estou vivo e me sentir muito feliz por isso.
-Posso passar no vestibular dos meus sonhos e terminar com um diploma que não faz a realidade brilhar. Mas, nunca é tarde para recomeçar, desde que você faça isso agora e pare de perder tempo, porque daqui a pouco vai ser tarde demais!
-Sei que é importante ter um imóvel para morar, pois todo mundo precisa de um canto seu, para ter segurança em relação ao imprevisível futuro. Mas, alguém pode morar em mais de um lugar?
-Decidi então colecionar lembranças de viagens, ao invés de escrituras. Nem as lembranças e nem as escrituras vão comigo para o caixão, mas ainda acredito que, quando eu estiver deitado em uma cama, despedindo-me deste mundo, as memórias do fim de tarde naquela viagem inesquecível ainda serão uma companhia mais agradável do que um título de propriedade.
-Ter amigos é muito bom, mas eles não surgem do nada, como capim em terreno baldio. É preciso demonstrar carinho, ligar, mandar mensagens, dividir um vinho em meio a uma conversa agradável, bater um papo animado em um churrasco de domingo, encontrar para dar dicas das próximas férias, telefonar só para saber se está tudo bem. Assim, é possível ter muitos e bons amigos. Só assim. ..........
Grande parte das estátuas do Cristo Redentor e de Nossa Senhora Aparecida, no Brasil, são da China. Bolsas de palha, colheres de madeira e cestas de vime parecidas com as do artesanato indígena e tapetes "persa" vêm do país. E, em Veneza, metade do vidro vendido como Made in Murano é feito por mãos chinesas, fora da Itália. A China avança nas cópias de produtos típicos, e os clones vão do artesanato, caso do vidro veneziano e do tapete do Irã, aos materiais sintéticos, cuja semelhança com os originais engana os leigos. O preço é o principal atrativo. José Ribamar Ramos, que vende objetos de palha no atacado em São Paulo, diz que as bolsas chinesas custam até metade do preço.
Em Veneza, enquanto um brinco de vidro italiano custa cerca de 25 (R$ 57), o chinês é comercializado por 6 (R$ 14). O artesão italiano destaca que os produtos chineses estão cada vez mais perfeitos. Mas ele critica a prática de vender o produto asiático como se fosse o italiano. "A Itália é um país livre, cada um vende o que quer. Mas que digam o que estão vendendo, que aquilo é feito por um artesão chinês, e não um artesão veneziano."
Janio Vargas, do Rio de Janeiro, vende objetos feitos com pedras brasileiras e seus anéis saem por cerca de R$ 20 na feira hippie de Ipanema, enquanto peças com cópias de pedras "brasileiras" feitas na China são vendidas por R$ 7.
Em alguns casos, o produto chinês pode ter acabamento mais perfeito que o original. Najad Khouri, dono da Isfahan Tapetes e Kilims, no Rio, destaca que o tapete chinês que clona o persa não tem imperfeições na trama. "O tapete chinês é tão perfeito que parece feito por uma máquina. E o tapete persa não pode ser perfeito. No islamismo, só Alá é perfeito." Khouri destaca que os tapetes chineses são padronizados -algumas estampas são escolhidas e o artesão as reproduz em série. "O chinês fabrica mais rápido e o preço cai. E o artesão persa é mais indisciplinado que o chinês. Ele cria enquanto trabalha."
A concorrência dos bordados feitos à máquina na China tem tirado mercado da indústria nacional e freado a expansão do emprego em cidades em que a atividade é tradicional, como Ibitinga (SP) e Nova Frigurgo (RJ), diz a Abit, associação que representa a indústria têxtil e de confecção.
Pesquisas sugerem que aceitar as próprias imperfeições é o primeiro passo para uma saúde melhor. Pessoas com notas altas em testes de autocompaixão têm menos depressão e ansiedade. Dados preliminares sugerem que a autocompaixão ajuda até a perder peso. Essa ideia parece contradizer os conselhos de médicos e livros de autoajuda, que sugerem que autodisciplina leva a uma saúde melhor. Segundo Kristin Neff, pioneira nesse campo, a maior razão pela qual as pessoas não têm mais compaixão por si mesmas é o medo de se tornarem autoindulgentes. "Elas acreditam que é a autocrítica que as mantém na linha. A maioria das pessoas se equivoca, porque nossa cultura recomenda que sejamos intransigentes", afirma Neff, professora de desenvolvimento humano da Universidade do Texas, em Austin.
O livro da psicóloga, "Self-Compassion: Stop Beating Yourself Up and Leave Insecurity Behind" ("Autocompaixão: pare de se criticar e deixe a insegurança para trás") será publicado nos EUA em abril.
Ela sugere escrever uma carta de apoio para si mesmo ou listar suas qualidades e defeitos, lembrando que ninguém é perfeito. Se tudo isso soa um pouco tolerante demais, há evidências científicas que confirmam a validade da teoria.
Guanaes conta porque seus filhos o chamam de Junior. Quase chorei. Acho que é um texto bem apropriado porque, onde outros pais enxergariam falta de respeito, ele consegue tirar lições de convivência com muito bom humor.
NASCI EM 9 de maio de 1958, numa casa bem modesta no Carmo. Tem gente que tem vergonha de sua origem. Eu tenho muito orgulho. O chão da nossa casa era de cimento, não havia água encanada. Tomávamos banho a partir de uma lata de água esquentada no fogo, usando a embalagem de queijo prato como cuia. Inesquecível. Televisão e refrigerante, só aos sábados. Meu avô era comunista ferrenho, me botava para ler Castro Alves, Monteiro Lobato. São essas coisas que dão forma à vida. Você é o que você é. A sua história é a sua maior diferença. O que só você pode contribuir será sempre a sua maior contribuição ao longo da sua vida toda. Hoje, tenho 52 anos, e tudo isso ecoa numa carcaça cada vez mais velha. Ter 52 anos é chato, mas a outra opção é dramática... Passei 157 dias no exterior no ano passado. Vendo, ouvindo, me reciclando e aprendendo. Sou de 1958, e não há quem seja de 58 que não precise de uma boa reforma. Sou um homem de meia-idade. Tenho gastrite, quase uma hérnia de disco, refluxo, minha memória, principalmente a recente, se foi, minha vista é péssima. Por causa do refluxo, meu médico disse que devo evitar gelo, água com gás, refrigerante, bebida, cigarro, pimenta, comidas condimentadas. Ou seja, ele está pedindo a um baiano que seja um suíço. Tudo na vida tem seu lado bom. Eu, que sempre fui arrogante, intolerante, de péssimo humor, eu, que de tão mala, quando viajo sem mala, pago excesso, estou aprendendo com os anos a não me levar tão a sério. Tenho três filhos. Uma menina de 25 anos e dois aborrecentes. Os dois aborrecentes me botaram o apelido de Júnior. Porque, segundo eles, sou mais infantil e mais mimado do que eles dois. Nem meu pior inimigo poderia ter me dado um apelido mais cáustico e mais cirúrgico. É uma desmoralização e ao mesmo tempo uma graça ser chamado de Júnior. Delícia maior é viajar com eles e ser esculhambado e desmoralizado na frente dos outros por criaturas que eu amo tanto. Antes, ser pai era ensinar. Hoje, ser pai é aprender. A última campanha do Itaú foi criada com eles. Eles me ensinam muito. Animam-me quando estou triste, baixam a minha bola quando estou me achando demais. Adoro viajar sozinho com eles para descobrir o mundo em dimensões diferentes da minha. Passam semanas e dias inteiros comigo na China, em Roma, em Dubai, na Cidade do Cabo, na Sardenha. Odeio e amo. Além de me chamarem de Júnior na frente das outras pessoas, no particular eles ainda me chamam de Juju. Juju é a suprema desmoralização. A verdade é que, como pai tardio, sou quase como um avô para meus filhos. E eles me renovam mais do que qualquer vitamina. Tantas vezes eles já me fizerem mudar de roupa, de cabelo, de pensamento. A moral da história deste artigo é que, se você quer pensar diferente, se quer ver como o mundo está mudando, posicionar sua empresa na forma moderna, para que o futuro não seja uma ameaça, mas uma promessa, não contrate só consultores. Ouça seus filhos, seus netos, a turma deles. Eles esculhambam a gente, o nosso trabalho, os nossos clientes. Mas eles são ar puro entrando pela janela, guias para o presente e um atalho para o futuro. A gente fica possesso na hora da esculhambação, dorme pensando e acorda iluminado. E eu, Júnior, agradeço aos meus filhos por me desmoralizarem a cada segundo e me iluminarem a cada dia.
NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC, escreve às terças, a cada 15 dias, nesta coluna.
Em 1989, numa viagem de trabalho por rincões da China, a jornalista Xinran ouviu pela primeira vez a expressão "resolver uma bebezinha". No mesmo ano, ao entrevistar camponeses na província oriental de Shandong, ela presenciou uma família "resolver uma bebezinha", ou seja, matá-la. O episódio, está no livro "Mensagem de Uma Mãe Chinesa Desconhecida", lançado no Brasil pela Companhia das Letras. Ex-apresentadora de um programa de rádio voltado a mulheres em Nanquin, Xinran partiu da experiência real de suas ouvintes para montar o painel de dez histórias relatadas na obra, todas sobre o sofrimento de mães que abandonaram filhas. Em muitas regiões da China, bebês do sexo feminino ainda são tidas como um estorvo pelas famílias. O motivo é uma cultura milenar que se reflete na legislação patriarcal do país: ao distribuir terras, o Estado prioriza famílias com filhos homens. Como desde 1979 há também a política do filho único, que pune com taxas quem tiver mais de um descendente, as famílias só querem ter meninos. O infanticídio é o recurso extremo, restrito a lugares remotos do que a autora chama de "China profunda". Bem mais corriqueira é a prática de dar para adoção, ou simplesmente abandonar na rua, as chinesinhas -igualmente mais corriqueira no campo do que nas cidades. Como consequência, havia, em 2007, 120 mil crianças chinesas adotadas pelo mundo -mais de 90% mulheres, segundo a autora. Mas o vertiginoso crescimento econômico e a modernização da China não alteraram o quadro? Em entrevista por telefone, de Londres, onde vive desde 1997, Xinran afirma que "não há uma China, mas várias". "Há de fato uma grande mudança nos últimos 20 anos, mas ela acontece nas cidades. Se você viaja cinco horas de carro pelo interior, volta 200 anos no tempo." Ainda assim, diz que o número de adoções está em queda e conta que, em visita recente ao país, viu chineses dando bebês homens para adoção por ocidentais, "algo novo e surpreendente". Xinran, 52, envolveu-se ela própria com a causa. Primeiro na China, ao adotar durante três meses uma bebê órfã, cuja mãe morreu no parto e o pai se suicidou, "para morrer junto à mulher". Foi obrigada a devolver "Floco de Neve" (nome dado à garota), que visitou depois num orfanato até perder vestígio.
CHORO Na entrevista, a escritora, mãe de um filho de 23 anos, se mostrou emocionada ao falar de "Floco de Neve". Embargou a voz e disse que chorava. "Continuo a procurá-la. Meu coração ficaria em paz em saber que ela está bem." Há cinco anos, Xinran fundou em Londres a ONG Mother's Bridge of Love, para introduzir à cultura chinesa as famílias ocidentais que adotam chineses e intermediar relações dos filhos com famílias biológicas. O sentimentalismo da narrativa turva em muitos pontos a força das histórias de "Mensagem...", cujo texto parece também ser afetado pela tradução (embora aparentemente boa) de segunda mão, a partir do inglês.
Somos assinantes da Folha desde a década de 70 e sempre posto aqui matérias que vou lendo, gostando muito e compartilhando com vocês. Este é mais um destes textos que, quando acabo de ler, digo: vou postar.
NIZAN GUANAES O jornal de papel e o papel do jornal
SE FOR VERDADE o dito popular de que amigo não é aquele que lhe bajula, mas sim o que lhe diz a verdade, a Folha, 90, é uma grande amiga do Brasil. O papa Bento 16 tem uma frase que eu amo: "Quando se trata da verdade, não se negocia um centímetro". Eu gosto de coisas irredutíveis, como os troncos das árvores sagradas do candomblé. Num mundo que concede tanto, que é tão permissivo, é bom ter gente irredutível. Amo Maria Bethânia porque ela não faz concessões. Roberto Carlos, idem. João Gilberto também. A Folha, a meu ver, é assim. Em vez do ponto de !!!, ela é ponto de ???. É singular porque é plural. É amiga de todos porque não é amiga de ninguém. Não gosto de ficar tomando porrada da Folha e espero que ela não faça dessas bordoadas um bordão. Nestes anos todos, mesmo como agência de propaganda do jornal, ele jamais me poupou. Quando Fernando Altério e eu inauguramos o Credicard Hall, naquele vexame de estreia, em 1999, ela nos deu as boas-vindas com o misericordioso título: "Titanic afunda em São Paulo". E a Folha foi a primeira a dar a notícia da minha separação. Só que eu ainda estava casado... Por isso, leitor, não dá pra não ler, pra não seguir, pra não acessar, pra não baixar, pra não tuitar... Eu, particularmente, gosto do jornal de papel. Dizem que ele vai acabar, mas eu duvido. Que os jornais crescerão muito mais na rede, não tenho dúvida. Mas o jornal de papel só vai acabar quando nós, os leitores do jornal de papel, acabarmos. E somos uma raça de leitores obstinada e crescente nos países emergentes. O jornal de papel tem de ter seu avatar digital. O sujeito acaba a matéria, mas com um clique no avatar ele vê todos os desdobramentos sobre aquela matéria por meio das novas tecnologias. Ou seja, o sujeito lê a Folha de manhã e, por meio do avatar da Folha, acompanha o noticiário o dia inteiro, do seu bolso via celular. Modelo de negócios: Folha custa tanto, o avatar custa um tanto mais. Essa parte não será fácil, mas a indústria vive uma frenética busca de gestão e de inovação que produzirá mais de uma solução. Já está produzindo. E é muito mais difícil mudar o papel do jornal do que atualizar o jornal de papel. Após décadas de ditadura e uma economia de filme de terror, os melhores mestres do jornalismo estão nas áreas críticas do nosso país: política e economia. Os maiores jornalistas brasileiros que eu conheço sabem muito sobre esses dois assuntos que definiram a nossa geração. Mas grande parte deles praticamente não se preocupa com nada mais. Eles não se preocupam com fofoca, com culinária, com turismo, com esportes para valer, com decoração, com frescuras. Coisas "inúteis", mas essenciais à vida. E é aí, e não na tecnologia, que o bicho pega. Eu espero que a Folha entenda isso. E convide mães, pais, filhos e filhas para opinarem na Folha dos próximos 90 anos. Afinal, foi com o "seu" Frias conversando e ouvindo "os meninos" que nasceu o jornal mais moderno e mais instigante do Brasil. Nestes dias em que a Folha celebra conosco seus 90 anos, termino celebrando o "seu" Frias, o DNA deste jornal. Ele sonhava acordado, com os pés no chão, e influenciou toda uma geração de jovens empreendedores que se seguiram a ele. Vendo um homem já de certa idade, mas com um pensamento tão jovem, nos sentíamos empurrados por aquele peculiar pragmatismo sonhador. O sonho não acabou. Mas está se transformando. E desse jeito é gostoso envelhecer. Feliz aniversário.
NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC, escreve às terças, a cada 15 dias, nesta coluna.
No dia em que comemorou seus 90 anos, a Folha colocou na internet a versão fac-similar das suas edições desde 1921. São cerca de 1,8 milhão de páginas, incluindo as edições da "Folha da Noite", da "Folha da Manhã" e da "Folha de S.Paulo". A Folha é o primeiro dos grandes jornais brasileiros a digitalizar seu acervo integral e a colocá-lo à disposição dos leitores. O processo demorou cerca de um ano. Envolveu dezenas de pessoas do jornal e a contratação da empresa Digital Pages. O custo estimado foi da ordem de R$ 3 milhões, o que inclui a digitalização, o armazenamento e o espaço em servidores capazes de suprir a demanda que será criada na internet. Nesta fase inicial, qualquer pessoa poderá ter acesso gratuito por meio do site acervo.folha.com.br.
POR QUE palavras caem em desuso? Listarei umas ainda conhecidas, mas pouco úteis na linguagem corriqueira. Bem poucos são os verbos que caem no esquecimento, e é mais lento o processo do seu desaparecimento. Com advérbios acontece o mesmo. Já os substantivos aumentam na medida da criação de novas "coisas": materiais, máquinas e formas de energia, para não falar das tecnologias. Os adjetivos também se transformam e somem. O que mais me chama atenção são as palavras relativas a comportamentos, sentimentos, reações emocionais, que, assim como aparecem, desaparecem. A primeira que me ocorre tem a ver com aparência, moda, tecido, modelo: caimento. Para haver um bom caimento, é preciso que o modelo seja adaptado ao tecido, o corte seja bem feito, a costura, caprichada, e tudo o mais que vai com a elegância. "Caimento" some porque a produção industrial impede, em parte, que se leve em conta delicadezas como essa. Uma das soluções que se achou foi a moda da roupa justa, quase uma segunda pele. E pele, de preferência, não tem caimento. Daria para fazer um romance só sobre essa palavra. Mas basta dizer que o mundo mudou e não tem mais lugar para a ideia de "caimento". A elegância enveredou por outros caminhos. E quem conhece criança "insolente" ou "petulante"? Existem, só que nem merecem mais adjetivação. Fica por conta de serem crianças, portanto, sem bons modos. "Recato", "compostura", "pudor" falam sobre adequação. E a "indolência", onde foi parar? Indolente, hoje, a gente chama de apático. "Astúcia" sumiu, sobrou a esperteza. "Afoiteza" tomou ares de agilidade. O que se usa mais, afinal: "arrogância" ou "empáfia"? Acho que a "empáfia" está morrendo. Antes, há não mais de dez anos, o arrogante, o metido era "convencido". Charme e "lascívia" se misturavam ao que hoje é chamado de sedução. E o equilíbrio substituiu a "temperança". A cada vocábulo que morre e outro que nasce corresponde um jeito diferente de viver e avaliar o outro. Cada um de nós é capaz de aumentar essa lista. O importante é não deixar passar essas mudanças sem perceber o que ocorre. Acho que em 50 anos algumas dessas palavras serão totalmente desconhecidas, mas não estarei aqui para confirmar. Gosto de acompanhar essas mudanças, sem fazer muita teoria, só um pouquinho. Mas sem deixar passar que o dicionário do nosso cotidiano se movimenta.
ANNA VERONICA MAUTNER , psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)
Fui feliz até a manhã da última quarta, quando, ao sair da cama, senti a fisgada na lombar
“SE O PRIMEIRO verbo do título fosse conseguir, em vez de saber, o leitor poderia achar que este pobre cronista sofre de insônia. Infelizmente, não é o caso. Digo infelizmente porque para a insônia há mil remédios, da contagem de carneirinhos brancos às maravilhas da tarja preta, mas contra o mal que impede o descanso de minhas retinas tão fatigadas não encontro truque ou substância eficaz. Meu problema, caro leitor, é a posição. Durante 33 anos, 2 meses e 11 dias, dormi de bruços. Um braço sob o travesseiro, o outro esticado para trás; perna direita reta, a esquerda meio dobrada, e oito horas mais tarde eu acordava, descansado e pronto para enfrentar as agruras da verticalidade, sob a inclemente gravidade de 9,8 m/s2.
Fui feliz até a manhã da última quarta, quando, ao sair da cama, senti a fisgada na lombar. Com o passar dos dias, a dor piorou, obrigando-me a consultar um ortopedista. Após fazer algumas perguntas, o médico explicou-me, naquele tom sádico e pedagógico que os doutores usam para reprimir os hábitos do gentio inculto, que dormir de bruços era um comportamento execrável. Ao longo da noite você vai afundando no colchão, as costas envergam e as vértebras comprimem as cartilagens. Pelo que entendi, a posição em que dormia está para a coluna como o cigarro para o pulmão, o sol para a pele, o provolone à milanesa para as artérias; nos Estados Unidos, já deve até ser proibida. A ciência aprova apenas duas maneiras de se deitar: de lado, com as pernas encolhidas, ou com a pança para cima. Não consigo acostumar-me. De costas, sinto-me como se estivesse num caixão, prestes a ser enterrado vivo.
De lado é ainda pior, pois os mortos, ao menos, sabem o que fazer com os braços, e os deixam paralelos ao corpo, ou cruzados sobre a barriga, mas, quando nos colocamos na lateral, eles sobram como duas incômodas excrescências, como mastros tombados de um navio.
Faz uma semana que pergunto a conhecidos e desconhecidos como passam suas noites. Pelo que apurei, tirando os radicais, que continuam dormindo de bruços -e fumando, comendo provoleta e promovendo sacrifícios de criancinhas-, a maioria se acomoda mesmo de lado, resolvendo a questão dos braços agarrando-se a travesseiros. Confesso que tentei, mas fui incapaz de dormir assim, como uma mocinha de novela, a sofrer seus desamores. Já estava quase me desesperando, anteontem, quando tive a alegria mesquinha de descobrir que meu querido amigo, o poeta Fabrício Corsaletti, era também viúvo recente do sono de bruços. "E aí?! -empolguei-me, achando que ele iria me iluminar com sua contumaz sabedoria- Como você faz?!" Fabrício bocejou e disse que também estava perdido, e a única solução que lhe ocorria era desatarraxar os braços e guardá-los debaixo da cama, toda noite. Considerei a hipótese, mas a possibilidade de ter que ir ao banheiro, de madrugada, obrigou-me a descartá-la. Pelo visto, terei de aceitar meu infortúnio. Afinal, a vida é assim mesmo, um acúmulo crescente de incômodos: primeiro te tiram do útero, depois te viram na cama e, no fim, ainda te colocam num caixão, de pança pra cima, até o fim dos tempos. Aliás, é essa a posição que adotarei, de hoje em diante. Não que seja boa para dormir, mas pelo menos já vou me acostumando.” antonioprata@uol.com.br @antonioprata Blog "Crônicas e Outras Milongas" antonioprata.folha.blog.uol.com.br
“VOCÊ TEM filhos com menos de seis anos, leitor? Que tal garantir a eles a oportunidade de viver como crianças pequenas que de fato são? Um bom começo é deixar de dar tanta importância à preparação delas para um futuro exitoso. Pois é: hoje, as crianças perdem esse período precioso da vida, e tão breve, porque decidimos que, quanto mais cedo elas forem introduzidas ao manuseio das ferramentas do mundo adulto, maiores serão suas chances quando tornarem-se adultas.
Essa postura, cheia de boas intenções, é um componente importante no processo em curso que promove o desaparecimento da infância no mundo contemporâneo. E você sabe, leitor, o que significa ser criança sem ter a chance de viver a infância? Não. Ninguém sabe ao certo como é a vida das crianças neste mundo. Entretanto, temos algumas pistas a esse respeito. Ansiedade, insônia, depressão, inquietação constante, medo, hipertensão, obesidade, doenças do aparelho digestivo etc., males que antes eram exclusividade do mundo adulto, hoje são frequentes na infância, inclusive na primeira parte dela. Pressa, pressão, compromissos, deveres. Nada disso combina com os primeiros anos de vida. O que combina? Tempo, material e oportunidade para brincar, por exemplo. Ou para nada fazer: só olhar, observar, participar da vida de um modo muito particular.
Crianças dessa idade podem aprender informática, línguas, esportes, letras e números? Podem. Precisam disso? Não precisam. Pelo menos não do modo como temos feito. Criança com até seis anos aprende brincando. Mas ela não deve brincar para aprender determinado conteúdo e sim aprender algo, por acaso, brincando apenas. Simples assim. Outro caminho para deixar a criança viver a infância a que tem o direito é não passar a ela as responsabilidades que são nossas. Não se espante, leitor: fazemos isso diariamente. Escolher a roupa que vai vestir, o brinquedo que quer ganhar, o calçado que quer usar, o horário em que vai se recolher para descansar, qual escola vai frequentar, se vai atender a imposição familiar ou se vai desobedecer... Quantas escolhas permitimos que elas façam e que deveriam ser só nossas! Vamos convir: escolher algo é um processo complexo até para um adulto, não é verdade? Quem não pena para escolher se muda de emprego ou não, se casa ou permanece solteiro, se rompe um relacionamento amoroso desgastado ou deixa a coisa rolar, se usa esta ou aquela roupa em uma ocasião especial, entre outras situações? Pois essas escolhas, que são tão importantes na vida de um adulto, porque interferem no eixo vital deles, são similares às escolhas que obrigamos as crianças pequenas a fazer. Sim: obrigamos. Elas querem, elas pedem por tudo isso e atendemos -é assim que preferimos pensar. Elas até podem querer, mas nós é que devemos saber o que faz bem a elas ou o que fará com que padeçam. Por não suportarmos o sofrimento que a criança experimenta quando é desagradada, temos feito com que sofram muito mais. Se você conseguir poupar seus filhos menores de seis anos do processo de fazer escolhas complexas e permitir que eles passem esses primeiros anos de vida apenas brincando sem qualquer outro objetivo que não o de se divertir, dará a eles uma vida presente muito rica. E essa é a melhor maneira de preparar um futuro melhor. “
-------------------------------------------------------------------------------- A maioria das mensagens é inútil; quando toda conversa pode ser relevante, praticamente nenhuma o é --------------------------------------------------------------------------------
"UM DOS PRINCIPAIS indicadores do final das férias é o reencontro com uma pilha de mensagens recebidas durante o período em que se esteve ausente. Rever e arrumar a comunicação interrompida sempre trouxe uma sensação acolhedora de importância, reverência e organização. Até porque o trabalho não era muito, e costumava ser uma boa alternativa à tediosa desarrumação das malas. As tecnologias digitais desmaterializaram a informação e, nesse processo, a vêm tornando inadministrável. Volumes de correspondência que não seriam recebidos em décadas são agora acumulados em horas, a ponto de se tornarem uma das principais atividades profissionais. Quem nunca terminou um final de semana debruçado sobre seu notebook, organizando uma cornucópia de e-mails? Quem nunca começou um dia disposto a erradicar a caixa de entrada, só para descobrir, bem depois da hora do almoço, que a tarefa era impraticável? Não é preciso voltar muito no tempo para lembrar da época em que era uma alegria receber uma mensagem, tema até de comédia romântica nos anos dourados do fim do século passado. Hoje, que até startups e videogames são transformados em filmes, as histórias em torno do e-mail e seus correlatos estão mais para o drama, o humor negro ou a piada sem graça. Boa parte dessa insatisfação não vem das mensagens em si, mas de seu teor. A maioria delas -como a maioria da comunicação no ambiente de trabalho- é inútil, repetitiva ou indesejada. Mesmo assim precisa ser lida, respondida, copiada, reencaminhada, identificada, classificada, filtrada. Nesse sistema burocrático, tudo precisa ser guardado porque pode se transformar em documento legal. Quando toda conversa pode ser relevante, praticamente nenhuma o é. O resultado é que há cada vez menos paciência para se ler mensagens, e cada vez mais filtros para bloqueá-las. Já que confrontar diretamente seus emissores é tão impossível quanto ignorá-las por completo, a única forma de liberdade e vingança contra essa opressão parece ser empilhar a correspondência em algum canto, guardando-a como se faz com velhos recibos e balancetes contábeis, para uma eventual e improvável consulta posterior. Assim, Gbytes são ocupados por cópias de conversas profissionais, avisos de contatos em redes sociais, newsletters, mensagens de grupos de discussão, notificações variadas, comprovantes e confirmações, lembretes de calendários, malas diretas comerciais e tantos outros. Na disputa entre a criatividade dos emissores, a resposta dos firewalls e sistemas anti-spam e a sobrecarga de seus usuários, o sistema de e-mail acabou perdendo sua previsibilidade. Até há pouco tempo, quem mandava uma mensagem de correio eletrônico partia de uma certeza técnica, uma confiança tácita, de que ele chegaria a seu destino ou voltaria ao remetente, como uma carta o faria. Entretanto, aos poucos, muitas mensagens digitais começam a desaparecer sem deixar rastros. O que aconteceu com elas só se pode especular: podem ter sido filtradas, encaminhadas para uma pasta qualquer ou simplesmente se perderam na imensidão das caixas de entrada. Quem, afinal, nunca usou um filtro de spam como desculpa pela demora em responder a um e-mail?"
Demônios no espelho -------------------------------------------------------------------------------- Algo do destino depende dramaticamente de nós, mas nunca sabemos em qual medida -------------------------------------------------------------------------------- ......... "... não acho que o homem seja mau em si. Acho que somos sim uma espécie atormentada, perdida num espaço minúsculo de sua alma insegura e incerta e num espaço gigantesco de um universo escuro e cego. Esmagada entre um destino certo (a morte, a derrota) e opaco (algo nele depende dramaticamente de nós, mas nunca sabemos em qual medida). Acusam-me de niilista. Reconheço que há algo de chique nisso. A medicina antiga já relacionava a melancolia à inteligência, não? Alguns apostam em traumas infantis avassaladores na minha infância. Devo tê-los muitos. Mas minha família nunca deteve o monopólio da miséria humana. A miséria humana é um "bem" dividido democraticamente entre todas as famílias que são, cada uma de sua forma, todas infelizes. Sou daqueles que suspeitam que os traumas, as obsessões e taras é que dão consistência a uma personalidade e não os contos da Branca de Neve ou do Papai Noel, ou os bons sentimentos porque estes quase sempre são falsos. Aliás, a Branca de Neve é mais "atraente" nos momentos de agonia do que quando desperta com o beijo do príncipe. E o Papai Noel fica mais interessante quando teme que finalmente tornou-se velho demais e por isso não consegue carregar mais presentes. Será ele ainda amado se não trouxer mais presentes ou afundará na solidão como a maioria dos idosos "sem uso"? Mas hoje ficou na moda dizer coisas do tipo "encontre Papai Noel em seu coração e você terá esperanças". Que horror que é ver a "inteligência" parasitada pelo oportunismo da autoajuda, se vendendo barato como brinquedo feito na China. Sim, sofremos, mas não me interesso nem pelo sobrenatural, nem por "brinquedos chineses". Prefiro soluções pontuais para os grandes dramas da vida. Pagar um bom terapeuta, ir ao cinema, ler um bom livro, arriscar um beijo na hora certa, tomar um bom antidepressivo quando a coisa pega, levar o filho ao médico quando ele tem febre, rezar (para quem o faz) quando nada mais funciona, apostar no mistério da vida quando cansamos da banalidade do cotidiano. ......... Alguns sucumbem mais violentamente aos demônios do que outros. Alguns negam esses demônios dizendo que eles não existem. Eu prefiro vê-los no espelho todo dia porque eles são o meu rosto. A literatura de autoajuda é apenas uma máscara vendida a R$ 1,99. Miserável falta de respeito para com uma espécie que luta ancestralmente contra os próprios demônios."
Se quiser ver o texto de Pondé na íntegra, consulte Folha de São Paulo, Ilustrada de 3/01/2011.
Fui ao Center Shopping com minha irmã e seu neto de 4 anos. Ele queria ir à Loja de Brinquedos comprar um presente prá ele. Qual? Ele não sabia. Percorreu todos os corredores e não soube o que queria. Só queria um presente. A avó explicou que ele ganhara muitos brinquedos no Natal e não precisava de mais um. Comentou comigo que, diante da variedade de brinquedos que ganhara, ele não brincava com nenhum. Então, me lembrei de um texto da Rosely Sayão em que ela trata exatamente deste assunto. "Uma mãe , depois de perceber que a filha pouco se interessava pelos brinquedos que ganhava em profusão dos avós e tios, decidiu criar uma estratégia para oferecer a possibilidade de a garota voltar a se envolver com alguns brinquedos por um período maior. Muito habilidosa, arrumou algumas caixas de papelão e decorou cada uma delas de um modo bem diferente. Depois disso, junto com a filha, etiquetou cada uma das caixas com o nome dos avós e tios da menina e guardou dentro delas os presentes que a menina apontou como os preferidos entre todos os que recebera de cada um. Trabalho realizado, a mãe guardou as caixas. Em algumas noites e nos finais de semana, essa criativa mãe descia uma das caixas e dizia à filha que aquele era um dia especial porque o avô, por exemplo, viera brincar com ela. Essa era a senha para a menina se deliciar com a situação de "faz de conta" construída pela mãe que, desse modo, possibilitava à criança a oportunidade de redescobrir aqueles brinquedos e se envolver com eles. Além de resolver o problema do excesso de brinquedos da filha, ela tornava presente para a garota as pessoas da família que estavam ausentes naquele momento." (21/12/12010 - Equilibrio - Folha de São Paulo)
-------------------------------------------------------------------------------- Desconectar? Nem pensar! O mundo depende de nossa atenção para continuar girando, certo? --------------------------------------------------------------------------------
FÉRIAS SÃO UMA instituição em crise. Esqueça o ideal que nos leva a imaginar nelas um período de descanso, reflexão, diversão ou renovação de conhecimento. Esse tipo de desfrute das férias está em extinção. Estou de férias, concorrendo com a maioria da população que também tem filhos na escola ou que estuda. Essa simples concorrência já torna praticamente impossível conciliar o merecido descanso com viagens tranquilas e um sentimento de paz. São filas para todo lado, itens de consumo esgotados e preços nas alturas. Todos querem fazer tudo ao mesmo tempo.
Os que têm filhos não descansam e ficam superconectados, pois crianças pegam fogo nas férias, agravando nossa já encalorada realidade tropical. Azar dos pais que não conseguem abarrotar seus filhos com atividades! Os que ainda não contam com herdeiros podiam, há alguns anos, se orgulhar de um grau maior de liberdade, mas é assustadora a atual dependência que os profissionais têm de seus smartphones e tablets. Para todo lugar que ando, vejo pessoas de férias, mas apenas dando uma conferidinha nos e-mails e nas planilhas enviadas por seus assistentes. Desconectar? Nem pensar! O mundo depende de nossa atenção para continuar girando, certo? Há também os que continuam escrevendo artigos nas férias, como eu. Não reclamo, pois meu status de independência financeira permite-me ter férias que duram 25% do ano. Férias são, para mim, apenas uma menor dedicação ao que chamo de trabalho, com prioridade para a família. Porém, elas são longas e me permitem ficar em casa enquanto muitos estão batalhando por atenção em algum balcão de atendimento. Lamento o que observo na vida daqueles que tanto batalham para sair de férias e, quando conseguem, entram em um período de intenso estresse. Para alguns, o estresse é físico, decorrente do vaivém com as crianças. Para outros, é um estresse psicológico, tentando esconder de si que estão trabalhando de fato. Para a maioria, trata-se de um estresse financeiro, em razão dos preços de temporada que nos obrigam a receber muito menos pelo que pagamos. Costumo ironizar com amigos, usando a frase ""não vejo a hora de voltar a trabalhar, para poder descansar". Alguns amigos meus passaram a usar a mesma frase, mas, para meu espanto, estão falando sério! Algo precisa mudar, e o caminho para a mudança, como sempre prego, é o planejamento pessoal.
Em primeiro lugar, conscientize-se: programas de lazer e viagens costumam custar, na temporada, mais do que o dobro do preço praticado na baixa estação. Para fugir do ""agora ou nunca" da temporada, aprenda a curtir passeios e viagens em feriados prolongados ao longo do ano. Estimule amigos a fazer o mesmo, para compartilhar suas boas escolhas. Mesmo quem tem filhos na escola pode contar com as chamadas ""semanas do saco cheio" (o equivalente tropical do "spring break" do hemisfério Norte) para uma escapadinha prolongada.
Outro ponto importante: desconecte-se. Se quiser levar seu tablet na viagem, faça-se o favor de esquecer o carregador. A desculpa dos livros digitais tem feito muita gente ficar 24 horas respondendo a e-mails. Reprograme-se, olhe a paisagem ao redor, adote um estilo de vida diferente. Muito se tem falado na mídia sobre períodos sabáticos. Siga para suas férias as dicas de como se preparar para um sabático: são requisitos fundamentais contar com reservas financeiras adequadas, desconexão total da rotina do trabalho, jogo aberto de seus planos com a família e delegação de suas tarefas a alguém que seja competente para ficar em seu lugar caso não volte. Você teme que esse alguém competente realmente assuma seu lugar na volta? Ótimo! Use o ócio criativo de cada um de seus períodos de férias para pensar em um plano B, um novo rumo a seguir caso sua estabilidade seja interrompida. Uma mente bem descansada não terá problemas em se reinventar.
GUSTAVO CERBASI é autor de "Casais Inteligentes Enriquecem Juntos" (ed. Gente) e "Como Organizar Sua Vida Financeira" (Campus). Internet: http://www.maisdinheiro.com.br/ @gcerbasi
Este vídeo ilustra com muita clareza o texto acima:
Acredito que a Bianca e eu sejamos felizes com a mesma intensidade.
Picos de felicidade estão na infância e na velhice
IARA BIDERMAN DE SÃO PAULO
... quanto mais os anos forem passando, mais feliz você será. Isso está estatisticamente provado. Os números apareceram quando, no final do século 20, um ramo da economia começou a estudar e a medir quantitativamente a felicidade, a partir de pesquisas populacionais. Os principais fatores observados foram gênero (mulheres são, em média, mais felizes), personalidade (neurótica ou extrovertida), circunstâncias (relacionamentos afetivos, educação, renda) e idade. Seria lógico concluir que, no último quesito, a felicidade é uma linha que começa no alto, nos anos dourados da juventude, e entra em queda contínua na medida em que também caem cabelos, vigor físico, estrógeno e testosterona, entres outros. Mas não foi isso o que as pesquisas mostraram. A relação entre felicidade e idade é uma curva em "U": começa alta, atinge o ponto mais baixo na faixa entre 40 e 50 anos e parte para uma linha ascendente na velhice -agora, chamada de terceira idade. A geração que passa a ocupar o lugar de terceira idade tem a expectativa de passar muito anos nessa fase da vida. Quem não acreditava em ninguém com mais de 30 anos chegou à faixa que vai dos 46 aos 65. "Uma característica dessa geração é o caráter de inovação e transgressão. A cada nova etapa da vida (adolescência, vida adulta), essas pessoas mudaram radicalmente o modelo anterior, e isso deve acontecer na fase do envelhecimento", diz a psicóloga Luna Rodrigues Freitas Silva. "Está sendo criado um novo modelo para a velhice, que tem a ver com a busca de atividades que tragam satisfação", diz ela. Essa busca reflete outra característica geracional: a ideia de deixar uma marca pessoal. "A terceira idade pode se apresentar como o momento certo para aprofundar as características individuais", acredita a psicóloga. Tempo, dinheiro e desobrigação de constituir família seriam condições ideias para buscar alternativas de atividades e criar novos laços afetivos, eróticos ou não.
JUVENTUDE Para Silva, querer preservar a juventude para realizar renovações é positivo, mas a obrigação de permanecer jovem e não aceitar a transformação do tempo é complicada e traz sofrimento. Talvez o maior desafio dessa geração, marcada por ideais de liberdade, seja o de manter a autonomia para fazer tudo isso. "O ideal de saúde é mais um entre outros que a gente compartilha. Só que o discurso da prevenção chegou um pouco tarde para quem está beirando os 50. Com a obrigação social de ser saudável, corre-se atrás do prejuízo."
Fonte: Folha de São Paulo - Equilíbrio - 11/01/2011
-------------------------------------------------------------------------------- Em nome da felicidade, damos o melhor de nós e passamos tanto tempo à procura do amor --------------------------------------------------------------------------------
FELIZ ANO Novo desejamos uns aos outros na data de hoje, porque a felicidade é o estado da alma que nos leva à sensação de plenitude emocional mais abrangente que a condição humana é capaz de atingir. Em nome dela, passamos a existência atrás de dinheiro, realização profissional e um lugar ao sol. Por ela, damos o melhor de nós: ajudamos o próximo, fazemos amigos, criamos filhos, cultivamos o espírito e passamos tanto tempo à procura do amor. E também o pior: a avareza, o egoísmo, a tendência espúria de explorar os mais fracos. É o bem mais desejado. Para viver infeliz, de que vale todo o dinheiro do mundo? -reza a sabedoria popular. A felicidade continuada, infelizmente, é privilégio apenas da infância. Só as crianças conseguem ser felizes por dias inteiros, entretidas nas brincadeiras, perdidas nos emaranhados da imaginação. Na fase adulta, ela é pássaro de voo ágil que nos visita já pronto a bater asas assim que o primeiro pensamento incômodo nos vier à mente. A brevidade desses encontros talvez explique a mania de colocá-la num sítio sempre distante daquele em que nos achamos. Ah, como éramos ou como seremos felizes. A saudade dos tempos em que a boa ventura fazia parte do cotidiano é fruto de uma armadilha da memória, função cerebral mestre em editar fatos passados. As pequenas frustrações, os sofrimentos banais, as inquietudes e os medos infundados que atormentam a infância e a adolescência, a memória apaga; sobrevivem apenas as lembranças carregadas de emoção. Já projetar a felicidade para dias futuros, se de um lado é força que nos move na direção de um mundo melhor, de outro torna o presente um fardo difícil de suportar. A vida se transforma numa sucessão de problemas a reclamar soluções urgentes, em vez de se apresentar como de fato é: um mistério impenetrável e encantador. A impressão de que a vida é uma montanha a ser escalada para chegarmos ao ápice na juventude, para depois seguir ladeira abaixo na direção de um vale de lágrimas povoado pela decrepitude e pelo sofrimento físico que precede o fim, é falsa. Não é dessa forma que os seres humanos encaram a existência. Fiz esse preâmbulo filosófico-botequinesco, leitor condescendente, para comentar um artigo publicado no "The Economist". Anos atrás, no pequeno reinado asiático do Butão, foi criado o Índice Nacional de Felicidade, com o objetivo de medir o grau de satisfação do povo, como complemento dos indicadores econômicos clássicos: PNB, renda per capita, consumo de energia etc. Recentemente, governantes europeus se interessaram por esse índice. Pesquisas realizadas em 72 países pelo Eurobarometer, pela America's General Social Survey, pelo Instituto Gallup e por várias universidades forneceram dados curiosos. Por exemplo, entre os cidadãos com 62 anos, os ucranianos são os mais infelizes do mundo. Entre os de 35 anos, a infelicidade máxima é a dos suíços, apesar da riqueza. Em todos os países, os índices de bem estar emocional começam a cair a partir dos 18 a 21 anos. A queda se acentua depois dos 30, para chegar ao nível mais baixo ao redor dos 46 anos, em média. A partir dessa idade, a curva se torna ascendente, e não para mais de subir. Na faixa dos 65 aos 70 anos os índices já voltaram aos valores dos 18 anos, para ultrapassá-los com folga no período que vai até os 85 anos. O bem estar emocional que despenca até os 46 anos e atinge níveis máximos à medida que mulheres e homens envelhecem, constitui fenômeno universal. Vale para os Estados Unidos e para o Zimbábue. Os resultados continuam estatisticamente significantes depois de corrigidos de acordo com os níveis de renda, de emprego e do número de filhos, sugerindo que não ocorrem como consequência de fatores externos, mas de mudanças individuais associadas ao processo de envelhecimento. Os mais velhos são mais hábeis para resolver conflitos, aceitam com mais naturalidade as frustrações e lidam melhor com as emoções negativas. A consciência de que a vida se aproxima do fim estabelece prioridades, não há mais tempo para desperdiçar energia com o supérfluo, é preciso concentrar as ações na busca do que é essencial à felicidade.
Fonte: 01 de janeiro de 2011 -Ilustrada -Folha de São Paulo.
-------------------------------------------------------------------------------- Nada mais brega do que se preocupar com o que os ricos pensam, confundir "dinheiro" com "ser chique" --------------------------------------------------------------------------------
CONVERSANDO COM uma jornalista de uma importante revista do mercado editorial recentemente, usei algumas vezes a palavra "brega" e ela me perguntou: "Pondé, o que você quer dizer com a palavra brega? Para mim, brega é usar bota branca". Cumpro aqui a promessa que fiz a ela: vou dizer o que eu acho brega, e você vai ver como vivemos numa época brega. Antes, um reparo: "brega" normalmente quer dizer coisa cafona, de mau gosto, como gente chorando em programa de TV para dona de casa, churrasco na laje como estilo de vida ou feijoada com pagode (sua presença será perdoada só se você estiver lá para pegar alguém, claro, aí, com Deus ou sem Deus, tudo é permitido). Outro reparo: para os eruditos, sei bem que sou acusado de estetizar a ética (nisso tenho comigo um excelente cúmplice, Nietzsche). Explico: estetizar a ética é tornar o problema do bem e do mal mera questão de gosto, coisa de gente blasé. Assumo o risco, quem ficar bravo pegue uma senha. Sei bem que o problema do bem e do mal não se reduz à questão de gosto, mas, num mundo como o nosso, defender-se desse mau gosto que é fazer marketing de comportamento é uma obrigação de qualquer pessoa de bom gosto. Ser brega é:
1) Querer ser chique. Essa é terrível. Nada mais brega do que se preocupar com o que os ricos pensam de você. Confundir "ter dinheiro" com "ser chique" é coisa de gente pobre de espírito. "Ser chique" é como ter olho azul ou verde: se você não tem, azar o seu, se colocar lentes de contato com cor, será ridículo, como homem careca que usa peruca ou homem que pinta o cabelo.
2) Achar que seu filho não sofre dos males que os filhos dos outros sofrem. Crer que seus filhos não falam bobagens nas redes sociais. Achar que eles gostam mesmo de pepino e berinjela e que são mesmo pessoas preocupadas com o ambiente aos 12 anos de idade. Some a essa breguice sua crença de que seu "filho consciente" é a prova viva de que você o educou bem e veja nisso uma prova de que você é mesmo legal. Gente assim coloca fatias de laranja italiana em jarras de água em festas e adora receber e fazer elogios no Facebook. Além, é claro, de criar vira-latinhas como prova de consciência social.
3) Achar avião chique. Tirar foto dentro do avião ou de você "com a Monalisa". Ir ao Louvre. Confundir "fazer turismo" com "conhecer o mundo". Uma diferença grande é: se quando voltar, você quiser muito contar para os outros onde foi que você fez turismo.
4) Acreditar em energias. Dizer que "você tem um deus dentro de você" e que ele "lhe entende". Deus deve ter bode de gente como você.
5) Querer que pensem que sua filha é sua irmã. Achar legal ela ser mais careta do que você. Pedir conselhos amorosos para ela.
6) "Respeitar" seu parceiro. No caso dos homens, dizer coisas como "Eu acho que as mulheres são vítimas sociais". Isso é papo de quem só pega mulher chata e feia ou nunca pegou mulher nenhuma.
7) Você até pode ser uma pessoa "fiel" e "honesta", mas, se você conseguir resistir à infidelidade e a "roubar no jogo" seja lá no que for e achar que resistiu não porque você teve medo ou porque a oportunidade não foi tão boa (o que você tem em casa é melhor, por exemplo, ou o risco de ser pego não vale a empreitada), você é mesmo brega. Se você sabe que está mentindo, você é apenas hipócrita, se acredita mesmo na sua falsa virtude, é brega. Nada mais brega do que acreditar que você tem virtudes quando, na realidade, faltam oportunidades para você realizar seus vícios.
8) Ter sensibilidade de classe média: sonhar com ambientes de gente rica. Achar legal ser celebridade. Pegar trânsito para ir à praia em feriadões. Vestir-se para festa quando você vai a shopping centers.
9) Dizer que "você quer ser feliz" ou que não tem preconceitos. Acreditar numa vida saudável e na psicologia de recursos humanos aplicada à sua vida pessoal: confundir ter amigos com fazer networking, "agregar valor" a si mesmo, fazer marketing pessoal ou marketing do bem.
10) Acreditar em si, na natureza, no progresso da humanidade, na vida e na energia do Réveillon.
Fonte: 27 de dezembro de 2010 - Folha de São Paulo - Ilustrada
Quando leio alguma coisa que gosto muito, penso: eu poderia ter escrito isto ( se eu tivesse o dom da escrita, é claro). É o caso desta crônica da Danuza, muito oportuna nesta época em que pais, avós, padrinhos e tios se tornam extremamente generosos na hora de presentear as crianças.
“COM O DÓLAR BAIXO e as viagens mais acessíveis, muitos casais agora viajam para o exterior levando os filhos. Ouviram falar que viagem educa e pensam estar contribuindo para o futuro de sua prole da melhor maneira, isto é, viajando; mas não sei se é bem por aí. Aos dois anos eles vão à Disney e a Miami, aos quatro a Nova York, e aos seis, sete, já fizeram um tour pela Europa (sete países em 21 dias). Se o pai esquiou e surfou na juventude, antes dos 16 as crianças terão passado uma temporada numa estação de esqui e outra surfando nas Maldivas, do outro lado do mundo.
Quem vai a Nova York aos sete, vai lembrar de alguma coisa da viagem além do susto com o tamanho dos edifícios, das montanhas de pipoca e batatas fritas e dos tênis que comprou? Provavelmente não -e nem falar inglês vai aprender. Para começar, nessa idade se viaja mas não se entende quase nada do que se vê. Para fazer uma viagem que valha mesmo a pena, primeiro é preciso querer muito ir para aquele destino, por uma ou várias razões. Geralmente essa curiosidade, ou melhor, esse interesse, começa com a história, os livros, os filmes, as músicas. Enquanto a viagem não acontece, existem mais livros, mais filmes, mais músicas, para que se deseje e sonhe mais ainda. Tem alguma coisa melhor do que realizar um sonho sonhado durante muito tempo?
Cada um fala por si, claro; em criança eu sonhava com Paris, e nunca pensei que fosse lá algum dia. Mas sonhei tanto, que um dia fui, e minha emoção e minhas recordações estão dentro de mim até hoje, intactas. Eu conhecia Paris antes de conhecê-la, e cada rua, cada museu, cada café me remeteu aos sonhos que povoaram minha adolescência. Valeu, ah, se valeu, e sou uma privilegiada, pois a cada vez que vou é como se fosse a primeira. E quando vejo crianças andando com os pais no Champs Elysées, fico pensando: será que eles ouviram falar que antes do desenho da cidade pelo prefeito Haussmann, Paris era uma favela? Que um dia o Exército de Hitler passou pelo Arco do Triunfo e desceu pela avenida mais linda do mundo, para humilhação dos franceses? Que quando Paris foi libertada pelo general De Gaulle, ele desceu a mesma avenida com o povo aplaudindo, num dos momentos mais emocionantes da história? Se soubessem disso -e de várias outras coisas-, essa viagem não teria sido diferente, infinitamente melhor? E adianta ver o túmulo de Napoleão sem saber pelo menos parte de sua história? Claro que não.
O triste é que essas crianças que crescem conhecendo o mundo todo perdem a capacidade de desejar, de sonhar. Estou cansada de ver uma garotada sem vontade de nada, pois já tiveram tudo, desde cedo; entendem de sushi, conhecem as grifes, possuem todos os iPads e iPods do mundo e não conseguem se deslumbrar com mais nada. Perguntei a um deles outro dia em que pretendia trabalhar (isso já aos 25!) e ouvi como resposta que ainda não sabia, mas que o importante era ser feliz. Mas como assim, ser feliz? Não havia um objetivo mais concreto, uma curiosidade louca de conhecer alguma coisa, de ir a algum lugar, de sonhar, fosse com o que fosse? Não, ele só queria ser feliz. É bem legal querer ser feliz, mas é pouco.” danuza.leao@uol.com.br
Colecionei a Revista Realidade, me desfiz da coleção, porém guardei alguns números especiais. Agora a revista será revivida em forma de livro. Idéia boa essa.
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
“Talvez só tivesse sido possível realizar no Brasil um projeto jornalístico tão audacioso e bem-sucedido como o da revista "Realidade" na década de 60: 1966. Muitas e raras condições para uma "tempestade perfeita" se juntaram: um grupo de jornalistas de extraordinário talento, um público ansioso por insumos intelectuais que lhe permitissem compreender os fenômenos da sua época plena de transformações de toda espécie, um mercado que comportava iniciativas arrojadas, uma empresa jornalística com saúde financeira e disposta a correr riscos. O fato é que não houve antes e provavelmente nunca haverá nada parecido. Isso explica o fascínio que "Realidade" provoca até em pessoas que nem eram nascidas quando ela deixou de existir, 42 anos atrás (uma sucessora homônima a sucedeu até 1976 sem lhe chegar aos pés), mais ainda nas que esperavam ansiosamente uma vez por mês o dia em que ela chegava às bancas, sempre instigante, inteligente, surpreendente. DESTAQUE CULTURAL Dois veteranos daquela aventura, José Carlos Marão e José Hamilton Ribeiro, resolveram, com o editor José Luiz Tahan, revivê-la um pouco na forma de livro. Escolheram e colocaram juntas algumas das reportagens que a revista publicou. E produziram comentários e textos atuais sobre elas e sobre o grande projeto. Num deles, Marão enfatiza que, ao contrário da mitologia criada, não foi na política, mas na área da cultura, que "Realidade" foi de fato grandiosa no seu conteúdo. A identidade entre leitores e revista era intensa porque ela os ajudava a compreender as perplexidades que pílula anticoncepcional, liberação feminina, conquista do espaço, igualdade racial, urbanização acelerada, transplantes cardíacos, teologia da libertação lhes causavam. Por ser mensal, o que muitos consideravam loucura, sua pauta tinha de se livrar do cotidiano imediato, no que ela radicalizou, tendo feito algumas edições especiais que poderiam ter a perenidade de um livro (como o relançamento de uma sobre a mulher brasileira em 1967). Por ser do tempo em que era proibido proibir, seus repórteres tinham a liberdade de escrever como quisessem e, como eram muito bons, souberam tirar pleno proveito dessa liberdade, para total desfrute da audiência. "Realidade Re-Vista" leva os leitores para aquela época (de volta, no caso dos mais velhos, talvez pela primeira vez, no dos jovens) com os textos históricos e os que reconstituem a história. José Hamilton Ribeiro tem a minúcia de contar que filmes estavam em cartaz em abril de 1966, as cotações do dólar, os comentários de senhoras mineiras à coleção de Pierre Cardin em que as saias curtas preponderavam. Essa viagem ao passado vale a pena ser feita. Inclusive para entender melhor o presente e vislumbrar o futuro com mais nitidez. REALIDADE RE-VISTA AUTORES José Hamilton Ribeiro e José Carlos Marão EDITORA Realejo QUANTO R$ 70 (436 págs.) AVALIAÇÃO ótimo LANÇAMENTO segunda, dia 20/12, no Posto 6, às 19h (rua Aspicuelta, 646; tel. 0/xx/11/3812-4342).
“Prestes a encerrar seus oito anos de mandato, o presidente Lula apresentou quarta-feira um extenso balanço da gestão. Como era de esperar, o relato contém abundantes autoelogios, algumas fantasias e nenhuma autocrítica. No entanto, ao observador isento o exame dos resultados durante os dois governos consecutivos indica um saldo muito favorável. Político intuitivo, Lula descartou a tentação do manejo demagógico da economia. Manteve a política econômica responsável iniciada por seu antecessor e colheu os frutos dessa sábia decisão. No período, a economia cresceu 37,3% (média anual de 4%). As exportações do país mais do que triplicaram. A inflação caiu de 12,5% para 5,6% ao ano. A taxa básica de juros reais também cedeu, de 15% para 6%. O desemprego foi reduzido pela metade. A dívida externa foi paga. Seu governo foi beneficiado, é verdade, por um contexto internacional favorável. Apesar da crise financeira de 2009, o formidável dinamismo da China puxou o crescimento das principais economias emergentes, que nestes oito anos se expandiram até mais do que o Brasil. Ainda assim notável, o progresso obtido não é imune a críticas. Lula não soube aproveitar a imensa popularidade acumulada para promover reformas que tornassem a economia mais competitiva e o Estado mais eficiente. Impondo à sociedade uma carga tributária superior a um terço do Produto Interno Bruto, o Estado presta serviços em educação, saúde e infraestrutura que, apesar de avanços, continuam a ostentar má qualidade. Houve uma incrustação maciça de militantes na máquina federal, bastando ressaltar nesse sentido que os cargos de confiança aumentaram 50%. Quanto aos costumes políticos, o desempenho foi deplorável. Para garantir hegemonia no Congresso, o governo utilizou expedientes escusos sob evidente beneplácito presidencial. O mais notório dos escândalos, o mensalão -revelado pela Folha em junho de 2005-, foi a ponta visível de um iceberg de ilegalidades impunes. A política externa foi orientada pelo elogiável intento de ampliar a autonomia do país e sua influência no mundo. Sua consecução, porém, pecou por desnecessária proximidade com autocracias como Cuba e Irã e pela complacência para com outros violadores de direitos humanos. Tais ressalvas não empanam o maior êxito do governo Lula, expresso numa relevante melhora nas condições de vida dos mais pobres. Isso deveu-se ao próprio crescimento econômico, mas também à expansão dos programas de transferência de renda, do crédito popular e do aumento real no salário mínimo. Em resultado, o estrato mais carente da população, aquele que recebe até R$ 140 mensais per capita, diminuiu de 33,3% do total em 2001 para 15,5% em 2008. Apesar das ressalvas, o presidente Lula deixa o governo como estadista democrático que honrou boa parte dos compromissos assumidos numa trajetória épica.”