sexta-feira, 5 de março de 2010

Crônica de José Antônio de Oliveira Resende

Foto da Pousada Fazendinha da Canastra - capturada na Net

Recebi esta crônica da querida Eunice Abib e enquanto ia lendo, ia reconhecendo parágrafo por parágrafo o que eu vivi na infância. Até já andei contando alguma coisa nas Minhas Histórias. Nesta semana mesmo, no post sobre o aniversário do José Ricardo, meu irmão, contei das visitas que fazíamos e das boas lembranças que elas me trazem. Desde setembro de 2009 estou com a casa "desmontada" numa reforma interminável e sem a menor condição de receber uma visita. Sentar onde? Agora, dei de "sonhar" com o dia em que vou poder abrir a porta e mandar entrar. Chamar a família, os amigos, as comadres e os compadres e dizer: "– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa." (Delma)


José Antônio Oliveira de Resende
Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei.
E-Mail: jresende@ufsj.edu.br

"Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
– Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
– Vamos marcar uma saída!... – ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas trancadas. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...
Que saudade do compadre e da comadre!" http://www.folhadasvertentes.com.br/default.asp?pagina=colunistas&cd_jornais=138&cd_autores=4

4 comentários:

Anônimo disse...

dilurdis
Como me lembro das visitas que faziamos ou recebíamos naqueles tempos que não voltam mais! Eramos felizes é não sabíamos!
Esta crônica é de uma profundeza imensa e de um saudosismo enorme.
Bjs
Regina

Anônimo disse...

José Antônio!

Quão linda sua memória moço! Parabéns pela beleza de crônica sobre visitas de comadre e compadre.quanta inspiração vc tem para dizer com tanta clareza e beleza esta passagem de nossa infância e adolescência,sua conclusão é muito profunda. Adorei e farei uso da mesma repassando-a para amigos.
Obrigada e abraços.
Mariza

Delma disse...

Eu me encantei com este texto porque foi como se ele descrevesse cenas que eu vivi na infância.
Obrigada pela visita!

Anônimo disse...

José Antonio
Seu texto me fez voltar a minha infancia e adolescência. Nossa, quanta saudade! Eu fechei os olhos e senti o cheiro do pão assado, do café torrado, a boca encheu d'agua e o corpo se aqueceu com as lembranças...
Agora também dei de "sonhar", sonhar com um tempo onde tudo parecia mais simples, espontanêo, puro...
Obrigada e abraços
Ana