Em 1969, terminando o Curso de Pedagogia, Marly e eu “cismamos” de fazer um Mestrado.
“Era um ano difícil pontuado por grandes acontecimentos: Caetano Veloso e Gilberto Gil, ambos com 26 anos, partem para seu exílio na Inglaterra; Neil Armstrong e Edwin Aldrin Jr. pisam na Lua; a atriz Sharon Tate, grávida de oito meses, mulher do cineasta Roman Polanski, é encontrada assassinada em sua casa em Beverly Hills por um grupo de fanáticos liderado por Charles Manson; acontece o Festival de Música e Artes de Woodstock, na cidade de Bethel, em Nova York, com apresentações de Jimi Hendrix e Janis Joplin, reunindo 300.000 hippies; o general Emílio Garrastazu Médici toma posse, em Brasília, na Presidência do Brasil em substituição à Junta Militar, que assumiu após o marechal Arthur da Costa e Silva ter se afastado por motivo de doença; morre Cacilda Becker; Mario Covas é cassado; surge no Rio o semanário O Pasquim; Vera Fischer é escolhida Miss Brasil; a Globo transmite o primeiro Jornal Nacional; Macunaíma, com Grande Otelo, Paulo José e Dina Sfat, trazem novo fôlego ao cinema nacional; Carlos Marighela é assassinado nas ruas de São Paulo por um comando militar; acontece o massacre de My Lai no Vietnam; Richard Nixon assume a presidência dos Estados Unidos; a censura ataca fortemente a imprensa brasileira e acontece a grande manifestação pacífica em Washington, exigindo o fim da guerra no Vietnã.”
Nossa primeira providência foi procurar um Curso de Inglês. Matriculamo-nos no Curso da Prof. Julia Marquez. Eu não aprendi nem o “Good Morning”. Marly deve falar fluentemente, porque sempre foi persistente e, como todo brasileiro, “não desiste nunca”. Nossa segunda providência foi ir para São Paulo e tentar viabilizar o projeto do Mestrado. Pegamos aqui um ônibus e o endereço da sobrinha do marido da minha tia que alugava quartos para estudantes. Chegando em São Paulo, fomos ao referido endereço, que ficava num prédio da região central de São Paulo e tinha daqueles elevadores antigões. Abrimos a porta do elevador, colocamos nossas malas e….antes de entrarmos a porta se fechou e as malas se foram. E nós duas, as mineiras caipiras, ficamos olhando uma prá outra e o único recurso foi “cair na gargalhada". Depois do passeio, nosso elevador fujão voltou e conseguimos chegar ao apartamento da sobrinha do marido da minha tia com as malas. Mas os quartos para aluguel ficavam em outro prédio próximo dali. Pegamos a chave e fomos para a nossa hospedaria que não ficava na mesma rua. Dobramos esquina caminhamos um pouco e chegamos. Devidamente instaladas, fomos para o Ibirapuera visitar a FENIT, a atual Fashion Week, onde assistimos a desfiles e o show-desfile Stravaganza com Raul Cortez e que tinha como cenário um circo e a apresentação de Gal Costa.
“A Rhodia comemorava 50 anos no Brasil, e apresentou seu maior show-desfile, Stravaganza, na FENIT. Eram anos de Fenit no Ibirapuera, de cílios postiços, de traços grossos de lápis nas pálpebras, de sombras azuis carregadas sobre os olhos. A Rhodia, importante empresa têxtil da época, ajudou a escrever a história da moda no Brasil. Foi a XII edição da Fenit realizada pela última vez no Parque Ibirapuera com 180 stands e a presença de Valentino e Ted Lapidus. Eles não podiam vender seus vestidos. Eram todos etiquetados na alfândega brasileira e conferidos na saída. Ganhavam passagem, estadia e prestígio. Clodovil e Denner também apresentaram seus desfiles e revolucionaram com as transparências. Clodovil abriu seu desfile com uma noiva de vestido transparente.”
No show Stravaganza, um trapezista caiu, a rede de proteção rompeu e ele se estatelou no chão. Felizmente não aconteceu nada muito grave. Foi a primeira vez que vi Gal Costa ao vivo. Ela interpretou Baby (Gal –Baby), Divino Maravilhoso (Divino Gal) etc . Foi impactante.
”O nome de Gal Costa era citado como ícone feminino de uma reviravolta estética para os padrões brasileiros. Mulher que não combinava bolsa com sapato, mulher que ouvia rock, mulher de figurinos avançados, mulher do futuro. A cantora surgiu nos palcos vestindo roupas de hippie, cabelos black power e a ousar a soltar os agudos em gritos de protestos. Gal Costa mantinha o frescor da nascente Tropicália: canções de temáticas urbanas, doces reflexões anarquistas, constatações, citações, provocações, balanço, objetos não-identificados, diversificação de ritmos e arranjos inacreditáveis. Com o exílio de Caetano e Gil, ela começa a destilar sua raiva por meio de uma postura assumidamente agressiva. Ela havia se tornado, não por escolha própria, a porta-bandeira do que restara do Tropicalismo. E, em vez de trilhar os caminhos do canto fácil e dos hits vendáveis, opta por experiências rascantes junto ao músico e então aliado Jards Macalé. É a musa dos descabelados, dos abandonados, dos revoltados, dos utópicos. Gritos, mixagens sujas, ruídos, sustos, tiros e gargalhada geral: ela não queria mais as tardes mornas, esquecia a contenção cristalina da bossa nova e assustava os caretas. Gal Costa, decide viajar para a Inglaterra para visitar os amigos, mas o Tropicalismo já estava consolidado no Brasil.” (Gal Costa)
Cemitério de Automóveis – Stenio Garcia
Vida e Morte Severina
Além da Fenit, fomos ao Teatro ver Cemitério de Automóveis, Morte e Vida Severina , ao cinema assistir “Romeu e Julieta” (1968) - Franco Zeffirelli, que me levou a escolher a trilha sonora do filme para o meu casamento em 1971.Esta foto é apenas ilustrativa (C Q Sabe)
Visitamos uma grande amiga da Marly que nos levou a uma típica Cantina Italiana bem animada.
E fomos buscar o que queríamos saber – o Mestrado. Marly, já escolhera a área de Educação e partiu para a PUC, onde já possuía alguns contatos e foi ao SESC verificar a possibilidade de transferir do seu emprego em Uberlândia para São Paulo. Eu fui para a USP, procurando pela área de Ciências Sociais. Porém, durante o Regime Militar, mais uma vez a USP (assim como todas as Universidades públicas brasileiras) foi foco de atenção, sob suspeita de ser o "berço subversivo" da oposição ao Regime. A Universidade sempre havia sido palco de manifestações contra o governo e, a partir de 1964, vários professores foram aposentados compulsoriamente, sem direito à qualquer indenização, devido à sua posição política (como o sociólogo e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, o economista Paul Singer e o arquiteto Vilanova Artigas). Esta área se esvaziara e tive que voltar sem conseguir realizar este sonho e como o outro sonho de todas nós era ser a Twiggy, eu trouxe na mala uma mini-saia de veludo cotelê, comprada na Rua Augusta, que naquela época era a “Meca da moda, arte, design e cultura da elite paulistana.”
De volta a Uberlândia, e após a Colação de Grau, Marly foi convidada para ministrar aulas na recém criada Universidade de Uberlândia. A PUC perdeu uma aluna brilhante e a UFU ganhou uma professora de primeira grandeza. Fez uma carreira invejável. Foi Diretora do CEHAR e obteve o reconhecimento e admiração de todos que conviveram com ela na sua competente carreira acadêmica.
Marly mereceu destaque na Revista Veja pela sua coleção encadernada de todas as edições, desde que se tornou assinante da Revista.
Veja na estante
“Marly Bernardes de Araujo, professora da Universidade Federal de Uberlândia (MG), transformou VEJA em enciclopédia. Há trinta anos vem encadernando todas as edições que recebe. "Encontrei em VEJA o referencial necessário para o acompanhamento dos principais acontecimentos no Brasil e no mundo", diz ela. A estante reservada às encadernações não pára de aumentar. Assim como as consultas de amigos e familiares na casa da professora Marly.”
Tenho o privilégio de fazer parte de um pequeno GRANDE grupo de amigas, do qual a Marly faz parte. Pela sua coerência, integridade, organização e objetivos definidos nós a consagramos como nossa Grande Chefe. Como deve ser todo Chefe, Marly é direta, verdadeira, franca e tem um humor afiado. Tem umas “tiradas” geniais quando trata de se defender. E é brava.
É mais uma das minhas amadas “irmãs”.
Estivemos reunidas no Vitorio’s Point na noite de 21/10/2010, comemorando o aniversário da Marly. O camarão reinou absoluto no cardápio e a alegria e descontração foi a tônica do nosso encontro.
2 comentários:
Sabe quando a gente lê algo e fica assim sem palavras...encantada,absolutamente encantada? O relato da época, as aventuras duas meninas cheias de sonho e de audácia da juventude ainda com resquícios da recém deixada adolescência,os interesses culturais, a cabeça de meninas antenadíssimas, as realizações de Marly,sempre muito brilhante em tudo que faz em tudo que diz,com a força de uma pessoa determinada, confiante e feliz, tão sincera, brava em alguns momentos e tão doce em outros, sabiamente na medida equilibrada e correta,amiga dessas com a qual contamos em qualquer situação.Sempre muito querida. Uai,tudo isso só pode mesmo nos deixar em estado de graça e sentindo o quanto é maravilhoso ter uma amiga como Marly!uma honra,um orgulho. Mas um orgulho de coração mesmo.
E agora vou falar de Delma, nossa artista, escritora, pesquisadora,que tão bem escreveu e escreve.De modo agradável, cristalino e real:Delma envolve no estilo e na inteligência.Isso também nos orgulha! Beijos, Alcy
Alcy
Tô aguardando os comentários das inúmeras pessoas que gostam da Marly.
Obrigada pelo confete. Vc é muito generosa
Bjs
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