domingo, 4 de abril de 2010

Segredos - Danuza Leão


Segredos

Danuza Leão

DENTRO DE cada coração há um segredo guardado, um segredo que jamais será contado à melhor amiga, nem ao padre nem ao psicanalista. Não que seja algo que deva ser escondido, mas é uma coisa que não poderá, jamais, ser dividida com ninguém: é uma coisa só sua. Pode se tratar de um fato que aconteceu e que seria um escândalo se alguém soubesse, uma linda história de amor ou apenas um delírio de imaginação, mas dele ninguém vai saber, nunca.
Virou uma mania contar tudo que nos acontece; mas as mais graves, mais sérias, que vêm lá do fundo, essas não se conta a ninguém. A gente pensa que certos pensamentos só acontecem com mulheres muito bonitas e homens muito interessantes, gente que já percorreu o mundo e passou por todas as experiências: ledo engano. Na vida da mais humilde lavadeira da periferia podem ter acontecido coisas que fariam inveja à mais bela e elegante mulher da cidade, que talvez por cuidar tanto de sua beleza e de sua elegância nunca perdeu tempo olhando seu próprio coração.
Quando estiver num lugar cheio de gente, comece a prestar atenção às pessoas, mas uma atenção diferente, mais cuidadosa. Vai perceber que a mais escandalosamente linda de todas, aquela cujo decote vai até o umbigo, e que a fenda da saia vai até a cintura, não está vestida dessa maneira para verdadeiramente conquistar um homem, mas sim para conquistar todos eles; e todos, nesse caso, quer dizer nenhum.
Em algum canto dessa festa vai haver uma mulher absolutamente normal, de uma idade mais pra lá do que pra cá, conversando com uma amiga; uma daquelas mulheres que se olha e sobre a qual não se pensa nada -ou se pensa, é que ela namorou, noivou, casou, teve filhos, foi fiel e que sua vida foi de um tédio atroz. Pois é aí que pode -e geralmente está- o engano.
Essas, se é que viveram mesmo uma vida sem grandes e trepidantes histórias de amor, costumam ter tido desejos intensos e inconfessáveis, e quanto mais castas tiverem sido, maior a quantidade deles. Vamos deixar bem claro que desejar não é cometer nenhuma infidelidade. Por isso, nada mais natural que isso tenha acontecido com nossas mães, tias e avós.
Talvez, na época pré-Freud, elas não conseguissem identificar com clareza o que estava acontecendo, mas se pensarem agora sobre o medo que alguns homens lhes causavam, o pânico de ficar sozinha na sala com alguns deles e a aversão intensa que outros lhes provocavam, visto sob uma ótica mais moderna e esclarecida, poderia ser medo não deles, mas do desejo delas próprias; medo de se atirar no pescoço de um cunhado ou do filho do farmacêutico, que pela idade poderia ser seu próprio filho.
Quando estiver numa daquelas reuniões de família com aquelas tias que nunca perderam uma missa em toda sua existência, ofereça um licor e puxe pela sua língua.
Ela não vai dizer tudo, claro, até porque não sabe direito, mas não vai ser difícil para você desvendar os mistérios que se escondem naquele coração. E se quiser ser bem pérfida, puxe pela vida das outras, procure -sutilmente, claro -saber dos podres da família. Ou vai dizer que na sua nunca teve nenhum?
E quando olhar para sua avó, tão distinta, com os cabelos tão brancos, com um ar tão distante, imagine as loucuras que não devem ter passado pela cabeça dela. Ou que talvez ainda estejam passando. (Danuza Leão -Folha de São Paulo - Cotidiano - 04/04/2010)
http://arquivoetc.blogspot.com/2010/04/danuza-leao-segredos.html


Foto: http://mguidoni.wordpress.com/2009/04/19/os-segredos-do-empreendedor-bem-sucedido/

Leio a crônica de Danuza sobre Segredos e me ocorre que é muito, mas muito difícil mesmo conseguir guardar o próprio segredo. Dos outros não, porque quando lhe contam alguma coisa e pedem segredo é fácil manter e cumprir o pedido. Para a pessoa que contou há um alívio, porque conseguiu compartilhar com alguém. Mas um segredo seu, que deveria ficar guardadinho, vai crescendo, oprimindo, trazendo angústia e....você conta prá alguém. Aí vem o arrependimento, porque você sabe que esta pessoa acabará compartilhando com outra (s). E seu segredo deixa de ser seu e se torna propriedade de pessoas que não se importam com você. E como é um segredo que traz dor, sofrimento, depois que conta você espera colo, ombro. E não recebe nem uma coisa nem outra. A única coisa que lhe oferecem é cobrança de atitude ou indiferença. Mas seu coração está tão despedaçado que nem atitude você tem mais. Você clama por socorro mas o outro está tão preocupado com o aparelho celular que não escuta seu grito. Daí você faz outro pedido de socorro para outra pessoa. E recebe um não. E você aprende uma dolorosa lição. Segredos só podem ser compartilhados quando forem segredos felizes. Você vai encontrar solidariedade, apoio, amizade, amor. Segredos tristes guarde pra você. Ninguém é capaz de entender sua dor. Talvez a pessoa que causou a dor poderia lhe entender. Mas, agora, ela já não pode mais.

2 comentários:

Anônimo disse...

Há muito o que filosofar sobre o texto de Vocês duas. Podemos fazer até uma reunião temática sobre isso. E um bom laboratório é a expo e instalação na Casa da Cultura de Paulo Faria que tem esse nome: Segredos. São 7 chaves, como todo segredo é guardado...
Beijos, Alcy

Delma disse...

7 Chaves....Tem tudo a ver.
Bjs