No dia 28/02/2010 fiz uma postagem sobre o filme " O Escafandro e a Borboleta" e hoje, leio em reportagem da Folha de São Paulo que a advogada e escritora Leide Moreira se comunica e escreve poesias usando os olhos, como fazia o jornalista francês Jean-Dominique Bauby (personagem do filme e autor do livro homônimo) e como faz também Stephen Hawking, físico britânico.
Na foto Leide Moreira e as atrizes Chris Couto e Fernanda D'Umbra, de xadrez - que fizeram leitura de trechos da sua obra - e os filhos Leide Moreira Jacob (37), produtora cultural, e Cesar Sandoval Moreira Jr. (39), psicólogo.(Revista Caras - Edição 787 - Ano 15 - Número 49)
OLHAR SITIADO
Julliane Silveira - Folha de São Paulo - 04/04/2010 - Saúde
"Ao lado dela, há alguém para mexer suas pálpebras para cima e para baixo o tempo todo. A cada 15 minutos, é preciso pingar um colírio para hidratar os olhos de Leide Moreira.
A maior preocupação dos que rodeiam essa advogada e escritora de 62 anos é manter sua vista intacta: seus olhos são seu meio de comunicação, desde que desenvolveu esclerose lateral amiotrófica, há cinco anos.
A doença degenera os neurônios responsáveis pelos movimentos dos músculos, levando-os à paralisia. Hoje, permanecem só os deslocamentos bilaterais dos globos oculares.
Leide leva o olhar para um sinal positivo ou negativo do polegar de seu interlocutor e, assim, expõe sua opinião, orienta funcionárias, escreve poesias. Sua consciência está perfeita.
O primeiro sintoma da doença foi a perda da força da mão direita. Um dia, em novembro de 2004, ela passou a achar mais difícil lavar os cabelos, dar partida no carro, pegar o garfo e abrir a porta de casa. Até então, a rotina era intensa: coordenava o setor jurídico da empresa de marketing cultural da família e corria diariamente.
Três meses depois, havia perdido a mobilidade de todo o braço direito. Um ortopedista indicou um protetor de pescoço, acreditando que poderia ser algum problema de coluna.
Em agosto de 2005, Leide já estava na cadeira de rodas. Amigos indicaram um especialista em doenças neuromusculares e foi feita uma série de investigações. Parentes enviaram o histórico da doença dela a pesquisadores no exterior, em busca de um diagnóstico .
"Foi um desespero total quando soube do que se tratava. Eu sempre cuidei da saúde, ia ao cardiologista, ginecologista todos os anos", diz.
A filha de Leide, que herdou o mesmo nome da mãe, conta que a família entrou na fase do "vale tudo". "Era chazinho, benzedeira, centro espírita... Esse primeiro momento foi muito violento, tivemos de lidar com perdas quase diárias."
Quando a dificuldade para engolir aumentou, Leide passou por uma gastrostomia (comunicação direta do estômago com o exterior). Depois, passou a respirar com a ajuda de aparelhos. Em novembro, teve de se submeter a uma traqueostomia (criação de um orifício artificial na traqueia para facilitar a respiração).
Nessa época, a fala também foi ficando mais difícil. A voz ficou rouca e desapareceu.
Tabela
A comunicação passou a ser feita pelo olhar. Nos primeiros meses, as respostas de Leide se limitavam a sim ou não, indicados pela direção das íris. Após pesquisas, os filhos descobriram a tabela desenvolvida para portadores da doença, formada por seis colunas, em que as letras do alfabeto e as palavras mais usadas em seu dia a dia (como dormir, silêncio e frio) são dispostas em 13 linhas.
Letra por letra, Leide forma palavras e frases. A confirmação vem de perguntas de quem porta a tabela. "Na primeira coluna?" "Quarta linha?" Dois olhares para o polegar que faz sinal de positivo indicam que a palavra começa com s.
"Quando rolou a primeira palavra, foi ótimo. Imagina ficar no sim ou não até acertar a pergunta do que ela está querendo?", diz a filha.
Os cuidados mais minuciosos com a visão só foram estabelecidos no final de 2007, quando Leide sofreu uma úlcera em um dos olhos, ressecados por ficarem abertos muito tempo. "Depois disso, a visão se tornou prioridade", conta.
Com a tabela, Leide passou a escrever poesias. Sessenta delas foram compiladas no livro "Poesias Para me Sentir Viva", publicado em 2008 em edição bilíngue, feita com patrocínios. "Aceitei a doença, mas sofro todos os dias. Hoje sou completamente dependente e aprendi a ter paciência. Não tenho privacidade", analisa.
As responsáveis por transcrever os textos são quatro cuidadoras contratadas, que se revezam 24 horas. Também leem para ela o jornal diário e livros. A primeira poesia, no entanto, foi transcrita pela filha:
"Minha vida vai se esvaindo
não sei se vou chorando ou sorrindo
sorrindo pondo fim a uma agonia que não aguento mais
chorando por deixar para trás pessoas que amo demais."
As funcionárias também "ouvem" broncas quando o trabalho não é feito corretamente. "Tem dia em que a tabela ferve", brinca a filha. Leide não gosta de conversas fúteis entre as cuidadoras.
São elas que também dão o apoio necessário para Leide sair de casa, o que ocorreu quatro vezes desde que surgiu a doença. A primeira foi para lançar o livro, três outras para assistir a shows de Ney Matogrosso e Maria Bethânia.
A operação é complexa, claro: ela vai de ambulância, precisa de autorização médica e de espaço extra para acomodar os aparelhos de respiração.
Entre os novos projetos de Leide, está outro livro de poesias e um documentário sobre sua vida, com lançamento previsto até o final desde ano, produzido pelos filhos.
Todo dia, faz exercícios com fisioterapeuta e fonoaudiólogo. Às 17h, circula pelo apartamento na cadeira de rodas. No resto do tempo, fica na cama. Essa rotina virou poema:
"Num quarto de apartamento
sitiada por fora e por dentro
meu mundo é um vai e vem
das coisas que o quarto contém".
2 comentários:
Delma,
Assisti o filme e fiquei assustada com a situação de impotência que ocorre com o paciente, porém, achei surpreendente a idéia do diretor ao projetar algumas imagens do filme como se fossemos a pessoa do personagem – foi fascinante!!!
Só não imaginei que isso tudo acontece tão próximo da gente como o caso desta advogada (fiquei sabendo por aqui)... é de se emocionar tal capacidade de superação destas pessoas, admirável mesmo...
Bom para a gente refletir sobre um montão de coisas que reclamamos, achamos que são difíceis de enfrentar...
rs... acho que agora este foi um momento de reflexão pra mim...
Bom fds.
Bjim,
Cy
Cyntia
Pelo que sei de mim, tenho certeza que não teria esta força e determinação
Bjs
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