Bullock sintetiza dilemas da felicidade
DAVID BROOKS
DO "NEW YORK TIMES" (Folha de São Paulo - 4/04/2010 - Ilustrada
Duas coisas aconteceram com Sandra Bullock em março. Primeiro, ela ganhou um Oscar de melhor atriz da Academia. Depois, a mídia noticiou que seu marido é um canalha adúltero. Assim, a pergunta filosófica é: você aceitaria trocar um triunfo profissional tremendo por um golpe pessoal pesado?
Por um lado, um Oscar não é de se jogar fora. Sandra Bullock conquistou a admiração de seus pares de uma maneira que poucas pessoas chegam a fazer. Ela ganhará mais dinheiro durante anos. É possível que ela até viva mais tempo. Uma pesquisa constatou que os premiados com o Oscar vivem em média quase quatro anos mais do que os indicados ao Oscar que não recebem o prêmio.
Mesmo assim, se você precisou de mais de três segundos para refletir sobre essa pergunta, você está completamente louco. A felicidade conjugal é muito mais importante do que qualquer outra coisa para determinar o bem-estar pessoal. Se você tem um casamento bem-sucedido, não importa quantos reveses profissionais sofrer, você será razoavelmente feliz. Se tiver um casamento malsucedido, não importa quantos triunfos tenha em sua carreira -você se sentirá não realizado, em grau importante.
Este não é um discurso vazio. Nas últimas décadas, pesquisadores vêm estudando a felicidade. Seu trabalho, que inicialmente pareceu inconsistente, desenvolveu um rigor impressionante, e uma das descobertas importantes é que, como previam os sábios do passado, o sucesso no mundo tem raízes superficiais, enquanto os laços interpessoais permeiam tudo.
Um exemplo: o vínculo entre felicidade e renda é complicado e tênue. É fato que os países pobres se tornam mais felizes à medida que se tornam países de classe média. Mas, alcançada a satisfação das necessidades básicas, há pouca ligação entre a renda futura e o bem-estar. Os países em crescimento são ligeiramente mais felizes do que os países com índice de crescimento mais baixo.
Riqueza
Os EUA hoje são muito mais ricos do que há 50 anos, mas o aumento na riqueza não gerou aumento mensurável na felicidade de seus habitantes.
Em escala pessoal, o fato de ganhar a loteria não parece gerar ganhos duradouros em matéria de bem-estar. As pessoas não são mais felizes durante os anos em que conquistam mais promoções no trabalho. Elas são felizes na casa dos 20 anos; essa felicidade diminui na meia-idade e, em média, as pessoas alcançam seu pico de felicidade logo depois de se aposentarem, aos 65 anos.
A felicidade das pessoas aumenta ligeiramente conforme a renda sobe, mas isso depende de como elas vivenciam o crescimento. Sua riqueza acirra expectativas irrealistas? Desestabiliza relações consolidadas? Ou flui de um círculo virtuoso no qual um trabalho interessante gera trabalho árduo que, por sua vez, conduz a mais oportunidades interessantes?
Se a relação entre dinheiro e bem-estar é complicada, a correspondência entre relacionamentos pessoais e felicidade não o é. As atividades cotidianas mais associadas à felicidade são o sexo, os encontros sociais depois do trabalho e os jantares com outras pessoas. A atividade cotidiana mais prejudicial à felicidade é o deslocamento de ida e vinda do trabalho.
Segundo um estudo, participar de um grupo que se reúne, mesmo que seja apenas uma vez por mês, gera o mesmo ganho de felicidade que uma pessoa tem quando dobra sua renda. Para outro estudo, ser casado gera um ganho psíquico equivalente a mais de R$ 180 mil por ano. A impressão deixada por essa pesquisa é que o sucesso econômico e profissional existe na superfície da vida e que ele emerge dos relacionamentos interpessoais, que são mais profundos e importantes.
Outra impressão é que prestamos atenção às coisas erradas. A maioria das pessoas superestima o grau em que mais dinheiro poderia melhorar suas vidas. A maioria das escolas e faculdades passa tempo demais preparando seus alunos para a vida profissional e tempo insuficiente preparando-os para tomar decisões sociais.
A maioria dos governos divulga toneladas de dados sobre tendências econômicas, mas não divulga informações suficientes sobre a confiança e outras condições sociais. Em suma, as sociedades modernas desenvolveram instituições imensas orientadas às coisas que são fáceis de contabilizar, mas não às coisas que são mais importantes. Elas têm afinidade com as preocupações materiais e um medo primordial das preocupações morais e sociais.
Tradução de CLARA ALLAIN
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