Eduardo Galeano diz que a Copa foi um Mundial Insólito. Reproduzo abaixo um resumo das suas observações sobre a Copa na África do Sul.
“Insólitos foram os dez estádios onde se jogou, formosos, imensos, que custaram uma dinheirama. Não se sabe como fará a África do Sul para manter em atividade esses gigantes de cimento, multimilionário desperdício fácil de explicar, mas difícil de justificar em um dos países mais injustos do mundo.
Insólita foi a bola da Adidas, ensaboada, meio louca, que fugia das mãos e desobedecia aos pés. A tal Jabulani foi imposta mesmo que os jogadores não gostassem dela nem um pouquinho. Do seu castelo em Zurich, os amos do futebol impõem, não propõem. Eles têm esse hábito.
Insólito foi que finalmente a toda poderosa burocracia da FIFA reconhecesse ao menos, depois de tantos anos, que seria necessário estudar uma maneira de auxiliar os árbitros nas jogadas decisivas. Não é muito, mas já é alguma coisa. Já era hora.
Insólito foi que o primeiro Mundial de toda a história do futebol ficasse sem países africanos, incluindo o anfitrião, já nas primeiras etapas. Somente Ghana sobreviveu, até que sua seleção foi derrotada pelo Uruguai na partida mais emocionante de todo o torneio.
Insólito foi que a maioria das seleções africanas mantiveram viva sua agilidade, mas perderam desembaraço e fantasia. Muito correram, mas pouco dançaram. Há quem acredite que os técnicos dessas seleções, quase todos europeus, contribuíram para esse esfriamento.
Insólito foi que alguns jogadores africanos puderam brilhar – eles sim -, mas em seleções européias. Quando Ghana jogou contra a Alemanha, dois irmão negros se enfrentaram, os irmãos Boateng: um com a camiseta de Ghana, outro com a da Alemanha.
Insólita foi a melhor defesa do torneio. Não foi obra de um goleiro, mas de um goleador. O atacante uruguaio Luis Suarez deteve com as duas mãos, na linha do gol, uma bola que teria deixado seu país fora da Copa. Graças a esse ato de patriótica loucura, ele foi expulso, mas o Uruguai não.
Insólita foi a viagem do Uruguai, de entre os mais por baixo para entre os de cima. O país que pôde evitar que este Mundial terminasse sendo nada mais que uma Eurocopa. Não foi por casualidade que Diego Forlan foi escolhido o melhor jogador do torneio.
Insólito foi que o campeão e o vice-campeão do Mundial anterior voltassem para casa sem abrir as malas. Em 2006, a França e a Itália tinham se encontrado na partida da final. Agora se encontraram na porta de saída do aeroporto.
Insólito foi que faltaram ao torneio as super estrelas mais anunciadas e esperadas. Leonel Messi quis estar, fez o que pôde, e se viu alguma coisa. Dizem que Cristiano Ronaldo esteve, mas ninguém o viu; talvez estivesse demasiadamente ocupado em enxergar-se.
Insólito foi que uma nova estrela, inesperada, surgisse da profundidade dos mares e se elevasse ao mais alto firmamento futebolístico. É um polvo que vive em um aquário da Alemanha, onde formula suas profecias. Chama-se Paul, mas poderia ser chamado de Pulpodamus.
Insólito foi que no final do torneio se fez justiça, o que não é freqüente no futebol nem na vida. A Espanha conquistou, pela primeira vez, o campeonato mundial de futebol: quase um século esperando. Ganhou de forma inquestionável, foi a melhor equipe do torneio, por obra e graça de seu futebol solidário, um para todos e todos por um, e também pelas assombrosas habilidades desse pequeno mago chamado Andrés Iniesta. É a prova de que às vezes a justiça existe no reino mágico do futebol.
Já começo a sentir falta da insuportável ladainha das vuvuzelas, das emoções dos gols impróprios para cardíacos, da beleza das melhores jogadas repetidas em câmara lenta; também da festa e do luto, porque às vezes o futebol é uma alegria que dói, e da música que celebra alguma vitória daquelas que fazem até os mortos dançar e soa muito perto do clamoroso silêncio do estádio vazio onde a noite caiu e algum vencido continua sentado, sozinho e incapaz de mover-se, no meio das imensas arquibancadas sem ninguém.”
Eduardo Galeano, escritor
2 comentários:
Certíssimos e justíssimos os comentários de Eduardo Galeano.E pensar que serão gastos bilhões também no Brasil.
"Que país é este?"
Bjs
Regina Bernardes
Gosto muito do que Galeano escreve.
E acei este artigo fantástico.
Bjs
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