Foto da Pousada Fazendinha da Canastra - capturada na Net
Recebi esta crônica da querida Eunice Abib e enquanto ia lendo, ia reconhecendo parágrafo por parágrafo o que eu vivi na infância. Até já andei contando alguma coisa nas Minhas Histórias. Nesta semana mesmo, no post sobre o aniversário do José Ricardo, meu irmão, contei das visitas que fazíamos e das boas lembranças que elas me trazem. Desde setembro de 2009 estou com a casa "desmontada" numa reforma interminável e sem a menor condição de receber uma visita. Sentar onde? Agora, dei de "sonhar" com o dia em que vou poder abrir a porta e mandar entrar. Chamar a família, os amigos, as comadres e os compadres e dizer: "– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa." (Delma)
José Antônio Oliveira de Resende
Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei.
E-Mail: jresende@ufsj.edu.br
"Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
– Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
– Vamos marcar uma saída!... – ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas trancadas. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...
Que saudade do compadre e da comadre!" http://www.folhadasvertentes.com.br/default.asp?pagina=colunistas&cd_jornais=138&cd_autores=4
Recebi esta crônica da querida Eunice Abib e enquanto ia lendo, ia reconhecendo parágrafo por parágrafo o que eu vivi na infância. Até já andei contando alguma coisa nas Minhas Histórias. Nesta semana mesmo, no post sobre o aniversário do José Ricardo, meu irmão, contei das visitas que fazíamos e das boas lembranças que elas me trazem. Desde setembro de 2009 estou com a casa "desmontada" numa reforma interminável e sem a menor condição de receber uma visita. Sentar onde? Agora, dei de "sonhar" com o dia em que vou poder abrir a porta e mandar entrar. Chamar a família, os amigos, as comadres e os compadres e dizer: "– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa." (Delma)
José Antônio Oliveira de Resende
Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei.
E-Mail: jresende@ufsj.edu.br
"Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
– Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
– Vamos marcar uma saída!... – ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas trancadas. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...
Que saudade do compadre e da comadre!" http://www.folhadasvertentes.com.br/default.asp?pagina=colunistas&cd_jornais=138&cd_autores=4
dilurdis
ResponderExcluirComo me lembro das visitas que faziamos ou recebíamos naqueles tempos que não voltam mais! Eramos felizes é não sabíamos!
Esta crônica é de uma profundeza imensa e de um saudosismo enorme.
Bjs
Regina
José Antônio!
ResponderExcluirQuão linda sua memória moço! Parabéns pela beleza de crônica sobre visitas de comadre e compadre.quanta inspiração vc tem para dizer com tanta clareza e beleza esta passagem de nossa infância e adolescência,sua conclusão é muito profunda. Adorei e farei uso da mesma repassando-a para amigos.
Obrigada e abraços.
Mariza
Eu me encantei com este texto porque foi como se ele descrevesse cenas que eu vivi na infância.
ResponderExcluirObrigada pela visita!
José Antonio
ResponderExcluirSeu texto me fez voltar a minha infancia e adolescência. Nossa, quanta saudade! Eu fechei os olhos e senti o cheiro do pão assado, do café torrado, a boca encheu d'agua e o corpo se aqueceu com as lembranças...
Agora também dei de "sonhar", sonhar com um tempo onde tudo parecia mais simples, espontanêo, puro...
Obrigada e abraços
Ana