sábado, 17 de julho de 2010

Insólito – Eduardo Galeano

Eduardo Galeano diz que a Copa foi um Mundial Insólito. Reproduzo abaixo um resumo das suas observações sobre a Copa na África do Sul.

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“Insólitos foram os dez estádios onde se jogou, formosos, imensos, que custaram uma dinheirama. Não se sabe como fará a África do Sul para manter em atividade esses gigantes de cimento, multimilionário desperdício fácil de explicar, mas difícil de justificar em um dos países mais injustos do mundo.

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Insólita foi a bola da Adidas, ensaboada, meio louca, que fugia das mãos e desobedecia aos pés. A tal Jabulani foi imposta mesmo que os jogadores não gostassem dela nem um pouquinho. Do seu castelo em Zurich, os amos do futebol impõem, não propõem. Eles têm esse hábito.

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Insólito foi que finalmente a toda poderosa burocracia da FIFA reconhecesse ao menos, depois de tantos anos, que seria necessário estudar uma maneira de auxiliar os árbitros nas jogadas decisivas. Não é muito, mas já é alguma coisa. Já era hora.

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Insólito foi que o primeiro Mundial de toda a história do futebol ficasse sem países africanos, incluindo o anfitrião, já nas primeiras etapas. Somente Ghana sobreviveu, até que sua seleção foi derrotada pelo Uruguai na partida mais emocionante de todo o torneio.

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Insólito foi que a maioria das seleções africanas mantiveram viva sua agilidade, mas perderam desembaraço e fantasia. Muito correram, mas pouco dançaram. Há quem acredite que os técnicos dessas seleções, quase todos europeus, contribuíram para esse esfriamento.

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Insólito foi que alguns jogadores africanos puderam brilhar – eles sim -, mas em seleções européias. Quando Ghana jogou contra a Alemanha, dois irmão negros se enfrentaram, os irmãos Boateng: um com a camiseta de Ghana, outro com a da Alemanha.

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Insólita foi a melhor defesa do torneio. Não foi obra de um goleiro, mas de um goleador. O atacante uruguaio Luis Suarez deteve com as duas mãos, na linha do gol, uma bola que teria deixado seu país fora da Copa. Graças a esse ato de patriótica loucura, ele foi expulso, mas o Uruguai não.

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Insólita foi a viagem do Uruguai, de entre os mais por baixo para entre os de cima. O país que pôde evitar que este Mundial terminasse sendo nada mais que uma Eurocopa. Não foi por casualidade que Diego Forlan foi escolhido o melhor jogador do torneio.

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Insólito foi que o campeão e o vice-campeão do Mundial anterior voltassem para casa sem abrir as malas. Em 2006, a França e a Itália tinham se encontrado na partida da final. Agora se encontraram na porta de saída do aeroporto.

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Insólito foi que faltaram ao torneio as super estrelas mais anunciadas e esperadas. Leonel Messi quis estar, fez o que pôde, e se viu alguma coisa. Dizem que Cristiano Ronaldo esteve, mas ninguém o viu; talvez estivesse demasiadamente ocupado em enxergar-se.

Polvo

Insólito foi que uma nova estrela, inesperada, surgisse da profundidade dos mares e se elevasse ao mais alto firmamento futebolístico. É um polvo que vive em um aquário da Alemanha, onde formula suas profecias. Chama-se Paul, mas poderia ser chamado de Pulpodamus.

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Insólito foi que no final do torneio se fez justiça, o que não é freqüente no futebol nem na vida. A Espanha conquistou, pela primeira vez, o campeonato mundial de futebol: quase um século esperando. Ganhou de forma inquestionável, foi a melhor equipe do torneio, por obra e graça de seu futebol solidário, um para todos e todos por um, e também pelas assombrosas habilidades desse pequeno mago chamado Andrés Iniesta. É a prova de que às vezes a justiça existe no reino mágico do futebol.

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Já começo a sentir falta da insuportável ladainha das vuvuzelas, das emoções dos gols impróprios para cardíacos, da beleza das melhores jogadas repetidas em câmara lenta; também da festa e do luto, porque às vezes o futebol é uma alegria que dói, e da música que celebra alguma vitória daquelas que fazem até os mortos dançar e soa muito perto do clamoroso silêncio do estádio vazio onde a noite caiu e algum vencido continua sentado, sozinho e incapaz de mover-se, no meio das imensas arquibancadas sem ninguém.”

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Eduardo Galeano, escritor

2 comentários:

Anônimo disse...

Certíssimos e justíssimos os comentários de Eduardo Galeano.E pensar que serão gastos bilhões também no Brasil.
"Que país é este?"
Bjs
Regina Bernardes

Delma disse...

Gosto muito do que Galeano escreve.
E acei este artigo fantástico.
Bjs